1/31.Eram tempos em que a escuridão reinava em decreto e lei, e ser o Senhor dos Tempos talvez lhe trouxesse apenas frascos empoeirados transpostos em amargura. Os becos álgidos imersos a maré cinza soavam-lhe atraentes como deleitoso passatempo humano. Caracterizava a cada doentio amanhecer o idealizar de teus sadistas prazeres. Desmembrar a cada habitante que por ali sofria por refúgio, arrancar-lhes aos corpos atarefados um vocábulo gentil, um grito prazeroso e uma proporção abusiva de puro sangue. Rasgar-lhes a pele, romper-lhes os canais venosos, coletar-lhes, ainda quente, e consumir-lhes enquanto fresco, bebericando ao veneno em via da própria fonte.
Onde estaria a sua doce donzela, agora, se não chorando aos teus braços enquanto rogava-lhe por todo o amor que pudesse disponibilizar-lhe? Onde estaria, senão deleitando-se aos olhos profundos, ao desejo sutil, a lúgubre proposta que lhe tentava além de teus próprios valores familiares e todo o costume pregado pelas clássicas gerações de tua prodigiosa antecedência? Oh, mas que renome deveria sustentar! E entregava-se assim, sem temer ou reconsiderar, elevando o seu tom de voz a cada ínfimo toque, a cada penetrada elaborada, a cada mordiscar de seus lábios carmesim. Deixando fluir em procedência todo o seu nobre sangue, deixando escapar por entre as tuas coxas o néctar bem aventurado, tua pureza despencando-lhe ao que o sublime par de olhos amendoados empenhava-se em analisar o cenário desdenhoso, sem lençóis de pura seda ou vinhos caros. Desmerecida em um conjunto de paredes grotescas; o odor asqueroso que poluía o ar adentrando-lhe ao nariz fino, outrora farejador do mais requintado perfume parisiense. Disputando espaços entre os ninhos de ratos, a ameaça constante da doença impregnada, o leque caído em meio às poças que possuíam a ela todas as cores que poderia distinguir, exceto a da pura água consumível com a qual poder-se-ia banhar. E, por deus, como aquilo a agradava.
Onde repousaria a sua bela donzela, agora, tão logo lhe roubada a essência e usufruídos todos os encantos, senão no fundo de la Seine? Oh, como doía-lhe desfazer-se de tamanha beleza como aquela. Ao pálido pescoço marcava-se o último beijo, recortado em sua nudez explicita. E que obra de arte, que maravilhosa sensação de êxtase tomava-lhe por toda a extensão corpórea ao momento que deixava-lhe vagar, indefinidamente! Eram tempos em que a escuridão reinava culminante por decreto e lei, e ser o Senhor dos Tempos talvez não lhe fosse assim, tão amofinado.